Pensadores de todos os quadrantes antecipam provável transformação das pessoas e novos desenhos sociais. À conta da crise

A dificuldade aguça o engenho, mas também alimenta a desilusão, a revolta, a frustração, o egoísmo e a agressividade. Os mais jovens, os mais pobres ou aqueles que têm de lutar de forma continuada pelo direito ao trabalho e salários dignos serão postos à prova no período pós-recessão, que oficialmente irá durar até 2013, no melhor dos cenários.

Portugal à beira de uma catástrofe social? Hoje isso é mais provável. Os observadores ouvidos pelo i concordam que os próximos anos serão decisivos: muitos dos que optarem por ficar no país serão obrigados ou a desligar da realidade e assumir as restrições, ou afiar as garras e prejudicar os outros para ganhar um lugar melhor. A outra via é o êxodo. Construir uma vida, mas noutro país.

A crise iniciada em meados de 2007 pelos excessos dos bancos e agentes financeiros e pelos defeitos das regras de supervisão irá deixar um lastro de incerteza e pobreza: a economia portuguesa não vai conseguir crescer decentemente até 2013, inclusive, os juros devem subir de forma pronunciada, apanhando os endividados na curva, a evolução do preço do petróleo é uma negra incógnita, o desemprego vai ficar irremediavelmente elevado, fechando a porta a muitos qualificados e, sobretudo, aos que não conseguiram subir na "escala de valor" que a nova economia exige para fugir à ferocidade das economias de baixos salários, como a China.

Portugal não está só neste caminho, claro. A maioria dos seus parceiros europeus também está em convalescença. Com uma diferença: Espanha, Grécia e Irlanda partem para as dificuldades com um passado de crescimento generoso. Em Portugal, a década passada está irremediavelmente marcada por uma quase estagnação. Os mais críticos falam em "década perdida". O governo e muitas empresas de maior dimensão contrapõem com "foram feitas reformas", "o país está mais moderno e preparado", culpando a crise internacional.

"A crise aguça o engenho", diz o ditado. Certo. Abre novas oportunidades, agita a imaginação mas, segundo os especialistas, não irá deixar espaço a todos.

"Insatisfeitos, dependentes, agressivos ou frustrados. Quem não quiser aceitar isto, quem quiser melhor, terá de abandonar o país e encontrar lá fora o que não existe cá", lamenta Rui Ramos, historiador. "Fala-se em contestação social. Não sei o que isso é. Há sim uma contestação corporativa politizada representada pelos sindicatos, isto é, controlada pelo PCP, que não fala em nome dos que estão efectivamente cercados por esta crise", acusa o investigador que integra o grupo de reflexão de direita, Compromisso Portugal. É uma guerra de gerações? "Não é. É uma guerra entre quem está representado pela esquerda e os outros que, não sendo politizados, estão fora do jogo".

Para Boaventura Sousa Santos, um pensador de esquerda, a palavra-chave é insegurança. Durante as últimas décadas, a estabilidade do trabalho permitiu aos portugueses um estilo de vida agora em risco. Foi em torno da segurança do emprego e do salário certo ao fim do mês que os cidadãos puderam fazer planos: a compra da casa, do carro, os estudos dos filhos. O desemprego e o trabalho precário vieram deitar por terra o conceito de planeamento a longo prazo. Podia ser uma boa notícia, se o tempo fosse de abundância, mas não é, sublinha o sociólogo. "A insegurança é suportável quando há oportunidades. Mas com a situação económica actual, as oportunidades não existem", refere, antevendo um período de crise social com repercussões em todas as esferas.

Até nas relações familiares, que "em países como Portugal ainda funcionam como almofada para os conflitos sociais". As consequências mais imediatas serão para os mais desprotegidos, como os idosos. "As famílias não poderão dar os cuidados que precisam, aumentarão as institucionalizações em lares", exemplifica. E cidadãos em dificuldade serão cidadãos ressentidos. Um ressentimento já bem visível nos EUA, "onde as pessoas perguntam por que razão se ajudam os bancos e não as pessoas".

Mas, para o bispo auxiliar de Lisboa, a solução não está em cobrar. A crise pede sacrifícios, "os cidadãos terão que assumir as suas responsabilidades e mudar os seus estilos de vida". Carlos Azevedo lembra que, perante calamidades como na Madeira, respondem de forma solidária. "Essa necessidade de sair de si próprio e de ter em conta o outro" terá de acontecer todos os dias. As pessoas terão de ser mais "companheiras, no sentido original, que é o de quem come o mesmo pão", refere o membro da Igreja Católica. Quando há menos pão e menos riqueza para distribuir, reduzir desigualdades e injustiças sociais passa por "repartir o trabalho, o rendimento e ter uma vida mais simples e austera". O bispo sabe que estas respostas "não são naturais, exigem uma responsabilidade além da natureza humana". Por isso, diz que este resultado se faz com a religião ou fortes princípios éticos. Chama-lhe um "movimento de pedagogia social", que só se consegue com "líderes servidores".

Alexandre Castro Caldas é um homem de ciência. O neurocirurgião acredita que a crise tenderá a amplificar algo que já acontece há alguns anos: as pessoas vão viver mais o dia, ser mais egoístas, coibir-se de fazer planos para o futuro. "A agressividade na procura de trabalho e no emprego, para quem o tiver, será cada vez mais a regra. E a economia paralela tenderá a aumentar". Para o médico, emigrar já não é a solução que foi no tempo da ditadura. "Os restantes países, a outra escala, claro, têm problemas semelhantes", constata.

O professor catedrático do ISEG, João Duque, sublinha que "só sentirá a falta quem teve". "Faz-lhe falta o helicóptero para ir para o trabalho? Claro que não, nunca teve". Para o economista, "as gerações futuras vão sentir a falta, vão revoltar-se por não terem trabalho, por não ganharem dinheiro, por verem que os seus pais estão melhores. Isso poderá gerar frustração e tristeza. Dantes tinham, agora não". Mas há soluções? "Terá de existir espírito de sacrifício. Sofre-se no início mas depois habituamo-nos e conseguiremos voltar a ser felizes. Mas terá que haver uma dinâmica de substituição das estruturas de apoio, como a família e a religião. Também acredito que poderá nascer um maior espírito de solidariedade", refere.

Mas, para o filósofo Paulo Tunhas, a crise será terra de pousio para a solidariedade. "Não imagino como se poderá ser mais solidário, acho que será o contrário: uma maior alienação em relação aos outros, um ensimesmamento". Se uma parte mais activa da população "se vai radicalizar, com mais manifestações", a maioria estará silenciosa. "As pessoas não têm energia para mais, ficam a olhar para o seu bolso e haverá menor interesse pela coisa pública". Os benefícios são para "quem se encontra no poder".

In: i

E as nomeadas são:

Curtas nomeadas para os Óscares desta noite.

French Roast

Granny O’Grimm’s Sleeping Beauty

La Dama y la Muerte


Logorama



Fonte:
Goma de Mascar